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8 de março de 2010

Sade - sistema filosófico

Fonte:

Clara Camicero de Castro.
O sistema filosófico do Marquês de Sade:
Estudo da elaboração do sistema filosófico do Marquês de Sade a partir das
filosofias iluminista e libertina da França no século XVIII.
Dissertação de Mestrado
Departamento de Filosofia do Instituto de Filosofia e Ciências Humanas da Universidade Estadual de Campinas sob a orientação do Prof.
Dr. Luiz Roberto Monzani.


"A paixão perversa só poderá ser efetivada na sua plenitude se o desejo for indiferente a quaisquer motivos sentimentais ou conseqüências arriscadas, permitindo que o libertino atue contra quem ou o quê desejar, sem esbarrar em limites impostos pela sociedade. Para efetuar tal tarefa, o libertino deve seguir um rígido método, disciplinando o movimento do desejo e o julgamento da razão. Ele deve dispor de uma energia libidinal concentrada que, ao invés de percorrer o caminho para o investimento num objeto primário, deverá passar por um momento de insensibilidade, de vazio, para, dessa forma, aumentar até tornar-se a maior possível. Quanto maior for o momento de insensibilidade, maior será o desejo. Para alcançar esse vazio, o libertino deve examinar a realidade, de modo a dissipar todas as ilusões e preconceitos..."

"A atividade do libertino deve ser feita inteiramente a serviço de si mesmo. O
mundo, para ele, é um meio e não um fim. Encerrados em lugares ermos e de difícil acesso, como o castelo de Silling, os heróis sadeanos esvaziam o sentido de humanidade, concebendo que o seu poder se estende por toda a Terra, já que domina todas as vítimas do castelo. Solidão e poder, portanto, são inseparáveis."

"O libertino precisa provar a experiência da vítima para se certificar de sua
eficácia e realidade. A dor deve ser suficientemente real e confiável para que o libertino possa se objetivar através dela. A dor que ele inflige e constata é o signo de sua própria existência, a prova da extensão de seu poder."

"Em Sade, como foi dito antes, o vício trará prosperidades ao libertino que, para
obter êxito, percorrerá uma trajetória progressiva de crimes e excessos sexuais. Como já se notou, a destruição é um princípio fundamental do sistema sadeano, no qual a morte é apenas uma transformação da energia, um simples movimento de matéria. A morte de um homem, de um inseto ou de uma planta em nada difere para a natureza, porque, sob suas leis, todos os seres são iguais. De acordo com essa igualdade natural, não existe, portanto, nenhuma diferença no ato de assassinar um semelhante ou um ser de qualquer outra espécie. O crime, logo, nada mais é que a manutenção da ordem natural, a produção, na realidade, de um bem natural, porque, ao trabalhar em favor da decomposição dos seres vivos, transforma-os numa base necessária à natureza. Essa ação, incorretamente chamada de crime, é simplesmente a devolução à natureza da energia que ela nos deu para possibilitar a nossa criação. A noção de crime foi desenvolvida pelo orgulho do homem que, tomado por esse sentimento, acreditou que era o ser mais sublime do globo."

"A verdadeira empreitada de Sade foi desvendar as profundezas do coração humano. Provavelmente, como escreve em Idée sur Les Romans, não foi a sua verdadeira
intenção pintar traços tão louváveis ao vício. Não obstante, comprometido com a
verossimilhança de seus heróis, não pôde evitar tal efeito. Apesar de seus métodos
agradarem a poucos, é inegável que ele mostrou o homem sem véus, explicitamente nu,
perscrutando a sua complexidade. Sade procurou encontrar a verdade, ignorando a opinião pública, as convenções morais e, de certo modo, até mesmo o bom senso. Sua tarefa de despir o homem foi efetuada ao limite, e desagradou a muitos. Ora, qual homem, afinal, gostaria de olhar para os próprios defeitos, encará-los em todas as suas cores? O objetivo de Sade, portanto, foi determinar, a partir da realidade e da
experiência do desejo, um plano de conduta, no qual o homem pudesse reencontrar o
homem. Esse plano passou pela transgressão de todos os limites que não são próprios do homem, e pela linguagem, mediação necessária entre Sade, a realidade e o leitor. Deus, a natureza e a sociedade são limites históricos e objetivos que o homem precisa transgredir para ascender à sua verdadeira essência. Colocando o homem frente a frente com ele mesmo, Sade explicitou conflitos psicológicos que permaneceram latentes nos cristãos, nos deístas e nos naturalistas.
Enfim, o marquês é um filósofo totalitário no sentido que considera o homem
como uma totalidade que se faz sem cessar e que, por isso, deve lutar sem parar, não
permitindo nenhuma fraqueza. O pensamento de Sade, então, é absoluto, pois não termina jamais frente às conseqüências, mesmo sendo estas as mais implacáveis."

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