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19 de maio de 2010

Rimbaud, em Marselha, depois da amputação da perna

Marselha, 10 de Julho de 1891: (...) Que maçada, que fadiga, que tristeza ao pensar em todas as minhas antigas viagens, e em como me encontrava há cinco meses apenas! Onde estão as caminhadas através dos montes, as cavalgadas, os passeios, os desertos, os rios e os mares? (...) E eu que justamente tinha decidido regressar este verão para me casar! Adeus casamento, adeus família, adeus futuro! A minha vida foi-se, não sou mais do que um cepo imóvel. (...)

Imagens de Rimbaud









Voulez vous connaître la verité....

"Que quereis que vos escreva? que uma pessoa se aborrece, se enfastia, se embrutece; que está farta mas que não pode acabar com isso, etc., etc! Eis tudo, tudo o que por consequência se pode dizer; e como isto também não alegra os outros, o melhor é calar."» Rimbaud

Cartas de Rimbaud

Cairo: 23 de Agosto de 1887: (...) Vim para aqui porque este ano os calores eram insuportáveis no Mar Vermelho: todo o tempo de 50 a 60 graus; e, encontrando-me muito enfraquecido, após sete anos de fadigas que nem se pode imaginar e privações as mais abomináveis, pensei que dois ou três meses aqui me restabeleceriam; mas são mais despesas, dado que não encontro nada para fazer, e a vida é à europeia e muito cara. Ultimamente, tenho sido atormentado por uma dor reumática nos rins, que me faz perder a paciência; tenho uma outra na coxa esquerda que de vez em quando me paralisa, uma dor articular no joelho esquerdo, uma dor (já antiga) no ombro direito; tenho os cabelos todos grisalhos. Sinto a minha vida preclitante. Façam ideia de como uma pessoa deve ficar depois de proezas do género das seguintes: travessias de mar e viagens por terra a cavalo, de barco, sem roupas, sem comida, sem água, etc., etc. (...) Não ficarei muito tempo por aqui: não tenho emprego e é tudo muito caro. Devido a isto, deveri voltar para os lados do Sudão, da Abissínia ou da Arábia. Talvez vá até Zanzibar, de onde se podem fazer longas viagens a África, e talvez à China, ao Japão, quem sabe onde? (...)
Harar, 18 de Maio de 1889: (...) pois creio que devemos ter um ar excessivamente barroco após tão longa estadia em terras como estas.

Harar, 10 de Novembro de 1890: Minha querida Mamã: Recebi a tua carta de 29 de Setembro de 1890. Ao falar de casamento quis eu dizer que entendia ficar livre para viajar, viver no estrangeiro ou mesmo continuar a viver em África. Estou de tal modo desabituado do clima da Europa que dificilmente voltaria para aí. Provavelmente, ser-me-á até necessário passar dois invernos fora, isto admitindo que um dia possa voltar a França. E depois, como poderei refazer relações, que empregos poderei encontrar? - É ainda uma questão a pôr-se. Aliás, se há coisa que me é impossível é a vida sedentária. Seria necessário que eu encontrasse alguém que me seguisse nas minhas peregrinações. (...) Quanto a Harar, não há nenhum cônsul, nem nenhum posto, nem nenhuma estrada; chega-se aqui por camelo e vive-se exclusivamente entre negros. Mas enfim, é-se livre e o clima é bom. Tal é a situação. Adeus. Aden, 30 de Abril de 1891: Querida Mamã, (...). Vendo crescer constantemente o inchaço no meu joelho direito e a dor na articulação sem encontrar remédio nem conselho, pois em Harar estamos no meio dos negros e não há nenhum europeu, resolvi ir-me embora. (...) Contratei dezasseis carregadores negros, à razão de 15 talaris cada um, de Harar a Zeilah, mandei fabricar uma maca com uma cobertura de tela, e foi em cima dela que acabei de percorrer em 12 dias os 300 quilómetros de deserto que separam as montanhas de Harar do porto de Zeilah. É inútil dizer-vos os sofrimentos horríveis que suportei durante a viagem, sem nunca poder dar um passo fora da maca, o meu joelho inchava a olhos vistos e a dor aumentava constantemente. (...) Quanto a mim, ela foi certamente causada pelo cansaço das caminhadas a pé e a cavalo em Harar. (...) Hospital de la Conception, Marselha, quinta-feira, 21 de Maio de 1891: Minha querida Mamã, minha querida irmã: Após sofrimentos terríveis, não tendo podido tratar-me em Aden, apanhei o barco da Transportadora para regressar a França. Cheguei ontem, depois de treze dias cheio de dores. Sentindo-me demasiado fraco à chegada e transido de frio, tive de dar entrada aqui no Hospital de la Conception, onde pago 10 francos por dia, com remédio incluído. (...) Telegrama de Rimbaud à Mãe: Marselha, 22 de Maio de 1891. Expedido às 2h50: Hoje, tu ou a Isabelle, venham a Marselha por comboio expresso. Segunda de manhã amputam-me a perna. Perigo de morte. Tratar de assuntos importantes. Arthur. Hospital Conception. Respondam.

Harar, 13 de Dezembro de 1880: Cheguei a este país depois de vinte dias a cavalo através do deserto somali. Harar é uma cidade colonizada pelos egípcios e dependente do governo deles. A guarnição é de vários milhares de homens. A nossa agência e os nossos armazéns estão aqui instalados. Os produtos comerciáveis são o café, o marfim, as peles, etc. O país é alto mas não árido. O clima fresco e não doentio. Todas as mercadorias são importadas da Europa e transportadas por camelos. Aliás, há muito a fazer nesta terra. Não temos aqui correio regular. Somos obrigados a enviar a correspondência para Aden, e só de tempos a tempos. Por conseguinte, só recebereis esta carta daqui a muito tempo. (...)

Harar, 25 de Maio de 1881: (...) Ai de mim! Não tenho apego nenhum à vida, e se vivo, é porque estou habituado a viver de fadigas; mas se for forçado a continuar a fatigar-me como até agora e a alimentar-me de mágoas tão veementes como absurdas nestes climas atrozes, temo abreviar a minha existência (...).

Harar, 6 de Maio de 1883: (...) A vida é assim, e a solidão é uma coisa má nestas paragens. Pelo que me diz respeito, lamento não ter casado e não ter família própria. Mas agora estou condenado à errância, ligado a uma empresa longínqua, e todos os dias perco o gosto pelo clima e pelas maneiras de viver, e mesmo pela língua da Europa. Helás! para que servem estas idas e vindas, estas fadigas e aventuras junto de raças estrangeiras, e estas línguas como que se atafulha a memória, e estes sofrimentos inomináveis, se um dia, após vários anos, não puder repousar num lugar que me agrade mais ou menos e ter uma família, a ter pelo menos um filho a quem passe o resto da vida a educar segundo as minhas ideias, a ilustrar e a dotar com a instrução mais completa que se pode adquirir nesta época, e que eu veja tornar-se num engenheiro de renome, um homem poderoso e rico através da ciência? Mas quem sabe quanto poderão durar os meus dias aqui nestas montanhas? E posso desaparecer no meio destas tribos, sem que a notícia alguma vez seja divulgada
(...)

Aden, 5 de Maio de 1884: (...) Perdoem-me que vos conte em pormenor as minhas preocupações. É que vejo que estou a chegar aos trintas anos (metade da vida!) e que me cansei muito a correr mundo, sem resultado (...)

Aden, 10 de Setembro de 1884: (...) Sinto porém que estou a envelhecer muito depressa (...)

Aden, 18 de Novembro de 1885: Estou feliz por deixar este horrível buraco de Aden onde tanto sofri. Também é verdade que vou fazer uma viagem terrível: daqui a Choa (quer dizer, de Tadjura a Choa) são uns cinquenta dias de jornada a cavalo por desertos escaldantes. Mas na Abissínia o clima é delicioso, não faz calor nem frio, a população é cristã e hospitaleira, leva-se uma vida fácil, é um lugar de repouso muito agradável para os que embruteceram durante alguns anos nas margens incandescentes do Mar Vermelho (...)

Tadjura, 28 de Fevereiro de 1886: (...) Dentro de um mês, ou seis semanas, o verão vai recomeçar nesta costa maldita. Espero não passar por cá muito tempo e, daqui a alguns meses, refugiar-me nos montes da Abissínia, que é a Suiça africana, sem invernos e sem verões; primavera e verdura perpétua, e a existência gratuita e livre! (...)

A Quimera do Ouro
«Eis o relato da viagem à Etiópia. É o documento mais importante e mais pormenorizado, pela mão de Rimbaud, sobre a sua jornada africana. (...) Tem, além do mais, um valor psicológico sobre o qual não é necessário insistir. Basta lançar-lhe uma vista e olhos para nos apercebermos de que o poeta está morto, que apenas subsiste o explorador, o comerciante. O aventureiro do real sucedeu ao aventureiro do ideal. Aliás, é no fundo o mesmo homem, o mesmo carácter insociável e inconstante, com a sua perpétua instabilidade, a sua necessidade de mudança e renovação, o seu devorador, apaixonado desejo de posse: apenas mudou o objecto da conquista. A solução de continuidade, nesta vida trepidante, é mais aparente do que real. Ele próprio tinha previsto a prodigiosa metamorfose, o seu destino de pioneiro e pesquisador de ouro. Como não recordar as palavras proféticas da Saison en enfer?
«Dou por finda a jornada, deixo a Europa. O ar marinho abrasará os meus pulmões, longínquos climas me curtirão. (...) Regressarei com membros de ferro, a pele tisnada, o olhar furioso; pela máscara, julgar-me-ão de uma raça forte. Terei ouro. (...) Embrenhar-me-ei nos negócios políticos. Salvo.
Salvo, não. Vencido. Mas herói, sem dúvida alguma, lançado de cabeça baixa nos desertos de África como ainda há pouco na solidão das ideias, ávido do desconhecido, apaixonado pelo ignoto, talvez o tipo mais audacioso de explorador.»
(texto de Jean-Marie Carré in Cartas da Abissínia de Arthur Rimbaud seguido de Mar Vermelho de Philippe Soulpault; Trad. de Célia Henriques e Vitor Silva Tavares; Edições & etc; Lisboa 2000)
Depois, a 5 de Maio de 1884, Jean Arthur Rimbaud escreveria, de Aden, no actual Yemen, na península arábica:
«(...) Não posso dar-vos um endereço para a resposta a esta carta, pois pesoalmente ignoro para onde irei proximamente arrastado, por que caminhos, por onde, e porquê e como!»

E também de Aden, a 15 de Janeiro de 1885, pouco menos de um ano depois:
«(...) Em todo o caso não esperem que o meu temperamento se torne menos vagabundo; pelo contrário, tivesse eu meios para viajar e não fosse obrigado a ficar para trabalhar e ganhar a vida, não me veriam dois meses no mesmo sítio. O mundo é tão grande e tão cheio de regiões magníficas que para visitá-las todas nem a vida de mil homens bastaria. Mas, por outro lado, não gostaria de nadar a vagabundear na miséria, gostaria de ter alguns milhares de francos de rendimentos e poder passar o ano em dois ou três lugares diferentes, vivendo modestamente, fazendo alguns negociositos para poder pagar as minhas despesas. Viver todo o tempo no mesmo sítio, hei-se sempre achar isso muito triste. Enfim, o mais provável é que uma pessoa vá para onde não quer, que faça o que não queria, e viva e morra de um modo totalmente diferente do que sempre desejou, sem esperar qualquer espécie de compensação (...).»

Site imperdível com material sobre Rimbaud

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